terça-feira, 2 de junho de 2009

Entrevista a Rafael Correa, presidente de Ecuador

Entrevista a Rafael Correa, presidente de Ecuador
“Ainda não há uma democracia no Equador, apesar de ter eleições”

Rafael Correa

A vitória de Rafael Correa nas eleições de 26 de Abril confirmam o rumo da chamada «Revolução Cidadã». «Pouco a pouco, vai mudando essa correlação de forças a favor do poder popular», disse o Presidente do Equador na entrevista que hoje publicamos

Tadeu Breda*
02.06.09

Diagonal

Os números falam por si: Rafael Correa foi reeleito para governar o Equador com 51% dos votos. Obteve 23 pontos de vantagem sobre o segundo candidato, o ex-presidente Lúcio Gutierrez, e ganhou em 17 das 24 províncias do país. A «Revolução Cidadã» augurou Rafael Correa numa entrevista dada no dia seguinte à sua vitória, caminhará com passos mais acelerados e intensos nos próximos quatro anos. Com a maioria na Assembleia Nacional e uma Constituição elaborada e aprovada durante o seu primeiro governo por uma ampla convergência de forças aliadas, parece ter o caminho livre.

Diagonal: O Senhor está na situação que sonhou há dois anos, com a aprovação da Constituição, a sua reeleição…

Rafael Correa: Não tenho a situação que sonhei há dois anos, asseguro-lhe. Sonhei com uma situação onde não haja miséria, nem desigualdade nem injustiça. E ainda não conseguimos isso. Disse que tive um triunfo democrático, mas isso foi no quadro de uma democracia formal. Eu sustento que o Equador e a América Latina têm eleições, mas ainda não chegámos ao que é a democracia. Na verdade, não acredito que haja democracia num país onde há tanta injustiça, tanta desigualdade. Quem conhece bem a América Latina sabe que é a região mais desigual do mundo. E o Equador, dentro da região mais desigual do mundo, é um dos países mais desiguais. Aqui, pode encontrar-se a mais insultante opulência ao lado da mais intolerante miséria. Isso tem que mudar, e só que essa situação mudar haverá uma verdadeira democracia. Essa é a situação com que sempre sonhámos, e pela qual estamos aqui. Quais são os meios para atingir esse objectivo? Uma pátria mais justa, mais solidária, mais equitativa. Os resultados eleitorais deram-nos amplamente o seu apoio. Esse é uma base de apoio político para continuar a aprofundar as mudanças. Mais que mudar de rumo, trata-se de continuar a aprofundar as mudanças que começámos e fazê-lo mais radicalmente, mais depressa.

No plano económico, vamos continuar a aprofundar as reformas, continuar a destacar um sector que foi largamente inviabilizado pelas políticas públicas, a economia popular e solidária. Hoje, mais do que nunca, há que apoiar essa economia. Enquanto no moderno sector capitalista um posto de trabalho custa 10.000 dólares, no sector popular e solidário – comércio informal, micro empresa, artesanato, cooperativismo, etc. – cria-se um posto de trabalho por cada 800 dólares. No plano social, vamos continuar com esta revolução social, que iniciámos há dois anos e três meses, e onde estão mais claras as características do Governo. No sector económico também. Devemos continuar com esta revolução pondo fim à impunidade bancária, e este é um desafio urgente. Até Dezembro vamos correr o pano de fundo desta tragédia que a banca criou e que, apesar disso, permanece impune. Isso é urgente. Acabar com este pesadelo, continuar a cobrar os impostos, a recuperar os nossos recursos naturais, a lutar contra a corrupção, a continuar esta política de abertura a todos os países do mundo, num quadro de mútuo respeito e, principalmente, a procurar esta integração latino-americana e continuara construir esta pátria grande de que nos fala José Martí. O que o Equador fez agora foi ratificar este projecto. O que vamos fazer é aprofundar e ratificar o citado projecto: a Revolução Cidadã.

Diagonal: De uma perspectiva mais global, a mudança que se necessita é muito mais radical e tem que ver com a arquitectura do poder mundial de gigantes corporações e megabancos. Acredita que é possível democratizar este sistema capitalista em que agora vivemos? Acredita que essa mudança é possível?

Rafael Correa: Dentro do sistema, não. Mudando o sistema, sim, e isso é o que estamos a fazer. Mas não podemos ser ingénuos. As mudanças e as revoluções numa sociedade dependem da correlação de forças. Com este apoio que agora tivemos podemos aprofundar mais a nossa revolução. Mas lembre-se de todo o trauma psicológico que nos fizeram. Se uma pessoa não conhecer o Equador tivesse lido os jornais, nós éramos o Governo mais impopular, mais corrupto e mais incapaz, apesar de termos mais de 70% do apoio popular à acção governativa do governo – e apoio popular à gestão não é o mesmo que intenção de voto, naturalmente. Sempre tivemos cerca de 56% das intenções de voto. E deu-se um fenómeno muito interessante nas eleições. A oposição não me tirou um voto, comeram-se entre eles. A direita, vendo que Alvarito Noboa não tinha possibilidades, deixou-o só, deixou que ele caísse e apostou tudo em Lúcio Gutiérrez. Isso demonstra também a amoralidade dos nossos sectores do poder, da direita equatoriana., porque preferiram os seus interesses aos seus princípios. Os senhores sabem que ninguém com senso pode votar numa pessoa com tão graves limitações morais e intelectuais como Lúcio Gutiérrez. Mas foi nele que apostou a banca, os grupos de interesse deste país, apenas para boicotar a Revolução Cidadã. Mas bateram com a pedra nos dentes, graças a deus. Em todo o caso, as mudanças dependem da correlação de forças. Dia 26 de Abril o povo equatoriano mostrou claramente o seu apoio ao Governo, deu-nos mais legitimidade democrática, pelo que podemos avançar com muito mais força, com muito mais legitimidade nestas mudanças que, pouco a pouco, vão mudando a correlação de forças a favor do poder popular. Isso significa muitas coisas. Seis meninas morreram [N. do T.: na semana das eleições] afogadas, uma tragédia absurda. Eram meninas pobres. Vá ver quantas vezes saiu nos jornais. Se tivessem sido meninas de uma família poderosa, asseguro-lhes que teria saído durante dois meses nos jornais, ter-se-ia criado uma comissão, etc. O Equador tem que mudar essa correlação de forças e vamos continuar a fazê-lo. Pouco a pouco vai ganhando espaço a força popular e isso traduzir-se-á em mudanças reais quanto à distribuição de recursos e políticas públicas para os mais débeis do nosso país. Isto fora do sistema capitalista. Dentro do sistema socialista do século XXI. A crise global do capitalismo que estamos a viver neste momento não é uma crise conjuntural, de fora do sistema, é uma crise de dentro do sistema. Das crises recorrentes do capitalismo, esta é uma das mais graves, mas de dentro do sistema. Não vão encontrar soluções dentro do mesmo sistema, que está em colapso, mas há que construir algo de novo e diferente. Creio que existe consciência na maioria dos governos e dirigentes latino-americanos disso, que estão a aproveitar a oportunidade para construir algo de novo e diferente. Por exemplo, a nossa própria arquitectura financeira regional, para não depender. Já não necessitamos bombas, barcos o aviões para sobmeter nossos países: necessitamos dólares. Estas tem sido as ‘armas’ para nos pressionar por meio do Fundo Monetário e do Banco Mundial. Isso não tem porque ser assim. Com os recursos que tem a América Latina poderíamos nos auto-financiar , mas estamos no absurdo de mandar esses recursos, em forma de reservas, ao primeiro mundo, por meio de bancos centrais autónomos. Com uma arquitetura financeira regional isso pode aconter na região e acabaria com uma das principais formas de dependência da região, que tem servido para subsugár-nos, que á a dependência financeira. Isso julgamos claro. Estamos avançando. Acabamos de criar, ao nível da ALBA, o sistema único de compensação regional, que minimizará a necessidade de dólares, mas falta muito por percorrer, fazer efetivo o Banco do Sul e ojalá, no curto prazo, máximo médio prazo, efetivar este fundo de reservas do Sul, que conserve aqui na região, o dinheiro que hoje mandamos ao primeiro mundo para financiar os países desenvolvidos.

DIAGONAL: ¿Cuáles son las metas y proyectos que usted quiere concretar en estos próximos cuatro años en su relación con América Latina y con Estados Unidos?

RAFAEL CORREA: En lo que respecta a América Latina, consolidar la Unasur y hacerla efectiva, porque ya no podemos seguir hablando de integración como una cuestión etérea, que nadie la entiende bien, que nadie la siente. Esta integración tiene que traducirse en acciones concretas en beneficio de nuestra población. ¿Y cuáles son estas acciones concretas? Uno de los grandes errores, sobre todo del enfoque integracionista en los últimos años –no necesariamente en el inicio de la integración, con la CAN, etc.– es que fue una integración comercial. Se trataba de buscar más grandes mercados basados en el absurdo de la competencia. La competencia es un concepto ya muy discutible a nivel de agentes económicos, pero ¿a nivel de países –y países hermanos– vas a competir? Es un absurdo completo. Y ¿cómo competían? Quién maltrata más su fuerza laboral, quién la precariza más, porque es la única forma de ganar competitividad. Y deterioramos el nivel de vida de nuestra población y sobre todo de nuestra clase laboral. Y quienes se beneficiaron con los productos más baratos fue el primer mundo. No podemos seguir cayendo en esa trampa. Tenemos que hacer una integración con diferente enfoque, un enfoque de coordinación, complementariedad y cooperación entre países hermanos. Y trascendiendo lo meramente comercial. Por ejemplo, con integración energética, América Latina puede ser autosuficiente en energía y eso cortará también una fuente de vulnerabilidad; con soberanía alimentaria; con la propia integración financiera… Tenemos que trabajar con todos estos aspectos. Se está avanzando, pero hay que avanzar más rápido. Dentro de la Unasur, básicamente uno de los objetivos inmediatos es buscar esta nueva arquitectura financiera regional que acabe con el absurdo de que América Latina exporta capital, financia el primer mundo y por otro lado se pone de rodillas para que nos den unos cuantos dólares. Eso no puede durar un solo día más.

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* Jornalista

Este texto foi publicado em Diagonal, Equador

Tradução José Paulo Gascão

FONTE: http://odiario.info/articulo.php?p=1171&more=1&c=1

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