sexta-feira, 15 de maio de 2009

Vargas e Lula: os pais dos pobres no Brasil

Roberta Traspadini

Do pai da CLT, ao pai das bolsas (família, escola, etc…) temos na aparência a substituição do público pelo privado e do nacional pelo internacional

14/05/2009

Roberta Traspadini*

Uma das características centrais da Era Vargas foi a capacidade de, o então presidente, implementar políticas trabalhistas que, em meio ao vazio anterior, legitimaram e legalizaram a ação dos reais produtores de mercadorias para os donos do capital: os trabalhadores.

Isto ocorreu dadas as facilidades históricas de um mundo em real transformação técnico científica, e de consolidação de uma hegemonia agora sob a égide americana, que para fazer a mudança necessária, precisava vender a sucata tecnológica do período anterior.

A consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o voto da mulher, a conformação legal dos sindicatos (atrelados é claro, ao Estado), a legitimação dos capoeiras, foram algumas das políticas chaves daquele que, ao representar os militares no poder, implementou o primeiro processo de industrialização do país, conhecido como modelo de substituição de importações. Modelo baseado na compra de máquinas e equipamentos ao invés da compra do bem final.

Graças a estas políticas, organizadoras do novo processo de industrialização, o militar no poder foi considerado pai dos pobres. A tal ponto que entregar Olga Benário aos nazistas e implementar uma política de caça aos comunistas, representou para a história, conduzida pela classe dominante, o preço a ser pago pelo progresso, cuja ordem imperante seguia sendo a do capital. Mas, esta política específica de aniquilar o oposto representou, de fato, para a classe trabalhadora, a sucessiva capacidade daqueles que estão no poder, dizimar vozes e atos, a partir da morte e prisão de sujeitos concretos, além da tentativa sempre presente de ocultamento e queima de suas idéias.

Foram 15 anos de um poder ditatorial consolidador de empresas públicas estatais estratégicas – compra da CVRD, criação da Petrobrás e do BNDES – com o foco na transformação do Brasil subdesenvolvido em Nação desenvolvida, similar ao processo gerado nos países centrais. Uma cópia muito original do modelo, mas com necessidades financeiras e tecnológicas muito distinta da dos países centrais.

O estadista Vargas, representante das forças armadas, com um forte grupo de dissidentes entre os militares, reinou soberano e entrou para a história do País, como o primeiro presidente a implementar a modernização do parque produtivo brasileiro, até então agrário, colonial, primário exportador. Mas, nem de longe Vargas se caracteriza como representante da classe trabalhadora. Pelo contrário, foi um ditador a mais, entre o histórico processo do poder de Estado representante de classe, num momento onde o capital nacional, débil, necessitava do investimento público estatal.

Chegamos ao século XXI. Passaram-se mais de 70 anos. Pela primeira vez, eleições diretas consagram um trabalhador no poder. Representante dos interesses dos trabalhadores, dado o partido ao qual pertence, imaginava-se que o proletário, líder de greves históricas no ABC paulista, implementaria políticas que fortaleceriam dita classe. Principalmente na retomada à alusão varguista sobre o desenvolvimento para dentro e as políticas nacionais, necessárias ao seu fomento como a regulamentação e formalização das leis trabalhistas.

O operário no poder sequer debateu, muito menos retomou, as empresas público estatais. Legitimou e reafirmou históricas concessões como a da mídia global, implementou e fortaleceu o que se caracteriza como parceria público privada, incentivou empresas privadas nacionais e estrangeiras como amigas próximas.

Tampouco voltou a legitimar o poder dos sindicatos com autonomia e liberdade de expressão, inclusive na briga com o Estado de direito que de moderno só tem os anos, dada sua histórica política de colonização.

A desregulamentação do mundo do trabalho, continuidade das gestões anteriores, prosseguiu. A precarização do trabalhador ficou ainda mais acentuada, mesmo com a ressalva do melhor momento de um crescimento econômico, não gerador do desenvolvimento nos últimos anos. Menor aprendiz, estagiários e trabalhadores informais continuam sendo a massa expressiva do trabalho formal no país. Além da conhecida por todos, política ilegal de pagamentos por fora da carteira, algo que aparece como circustancial, mas que em essência se transformou em denominador comum no joio da produção brasileira.

Crescimento e desenvolvimento. Palavras que no caso brasileiro aparecem como antagônicas. Seja no varguismo, seja no lulismo, estas vêm a luz, como duas versões históricas particulares do populismo. A primeira fomentada pelo capital, mesmo que de Estado, e a segunda com protagonismo central do capital multinacional. Capital este que tem suas transações centradas na transnacionalização da produção, com o afã de ser onipotente em seu ganho global. Divide o setor produtivo, ganha o mundo em busca de cursos menores e matérias-primas fartas, usa e abusa dos recursos naturais, energéticos e dos seres humanos como materiais (i)limitados, a serem utilizados a seu bel prazer, sem a menor interferência do Estado.

Aliado a isto, o Estado brasileiro, sempre interventor, vai mudando, pouco a pouco, as regras do jogo da regulação trabalhista e dos processos garantidores constitucionais dos direitos sociais, subestima o trabalho em sua capacidade de organização, reivindicação e luta, enquanto cela acordos intermináveis (dados os prazos longos dos contratos privados) com as grandes empreiteiras (inter)nacionais.

A ordem vigente é a do direito individual, da propriedade privada, do lucro máximo, via produção de mercadorias para o consumo exacerbado no mercado. Tudo isso em contraposição ao direito social, a socialização da riqueza e renda e democratização dos recursos, ao trabalho digno para uma vida digna, cuja vertente do consumo seja a do uso racional dos recursos – real consumo consciente.

Essa política de desenvolvimento, lastreada no crescimento ora nacional, ora mundial, começou bem antes de Vargas, mas com ele ganhou nome, força, apelido nacionais. E chegou no governo Lula como a continuidade do processo legitimador das vantagens capitalistas, a partir da superxploração do trabalho, mudando em cartório a nacionalidade, do antes filho pródigo capital público estatal, agora internacional, sujeito global, parceiro do Estado brasileiro.

Em algum momento sujeitos iludidos com o poder de fogo deste governo acreditaram que o mesmo estava em disputa. Agora, passados já quase dois mandatos, já temos história para contar. É a chegada no poder de um proletário sem cabeça, cujo corpo está todo ele reconstruído cirurgicamente pela intervenção do capital. Oxalá, consigamos avançar para um projeto de classe em que o trabalho imprima nas políticas do Estado brasileiro o sentido de uma sociedade verdadeiramente centrada na socialização e democratização da produção, circulação e projeção do sentido da vida, no que se conhece como produção de valores humanamente colocados e potencializados.

Do pai da CLT, ao pai das bolsas (família, escola, etc…) temos na aparência a substituição do público pelo privado e do nacional pelo internacional. Mas em essência são ambos representantes de uma alusão ao modo de ser, produzir, viver, ditado pelo capital sobre aqueles que de fato produzem toda a riqueza do mundo: o trabalho.

Esse é o resultado humano da intervenção do ser social sobre a natureza. Transformou-a em mercadoria, deu a ela uso privado (i)limitado, centrada nas mãos de poucos conglomerados mundiais. Há anos atrás, Levy-Strauss caracterizou nossa realidade desigual, aniquiladora do diverso de tristes trópicos Brasil. Tremenda constatação histórica. A renovação dos mesmos processos de aniquilamento do ser pelo ter. – E viva o povo brasileiro! Diria o presidente Lula e sua equipe de governo.

*Roberta Traspadini é Economista, educadora popular, integrante da consulta popular-E.

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/vargas-e-lula-os-pais-dos-pobres-no-brasil

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